The Lurker e a Discriminação (ou é fácil colocar o espinheiro em chamas)
Nunca, na história recente da república, alguém conseguiu tratar a questão racial no Brasil com tamanha dose de demagogia, irresponsabilidade, falta de planejamento e visão (que chegam mesmo a beirar a má-fé) como o ex-govenador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Este, no apagar das luzes do que ele denominava governo (e seres pensantes denominam catástrofe) estabeleceu por decreto uma política de quotas para as universidade estaduais do estado, sendo 50% para alunos “afrodescendentes” e oriundos de escolas públicas.
Entenda-se: não há qualquer tipo de equívoco em que se queira estabelecer políticas compensatórias para reduzir o abismo social no País. Também ninguém falará contra uma proposta que, de maneira responsável, procure mitigar as disparidades econômico-sociais existentes no Brasil. Mas o que foi proposto, além de irresponsável, pode ter conseqüências muito mais sérias do que se imagina. Vejamos os fatos divulgados até o momento:
1) As médias obtidas pelos alunos beneficiados pelas quotas são, por vezes, até 11,4 vezes inferiores às dos alunos não beneficiados. No caso mais crítico, o curso de Odontologia, o último classificado pelo vestibular tradicional fez 77,5 pontos sobre um total de 100, enquanto o último colocado que ingressou pelo sistema de quotas fez apenas 6,2 pontos sobre o mesmo total;
2) Alunos nestas condições necessitarão de suporte que, para começo de conversa, permita que prossigam na vida acadêmica, através de aulas reforço e outras iniciativas para isto;
3) A reitoria da UERJ estima um custo de R$ 12,7 milhões para estas ações remediais em, só em 2003 e o tesouro estadual está com um déficit de mais de R$ 1 bilhão. Quem vai pagar esta conta? A “Garotinha” acha que o Governo Federal tem que arcar com parte da despesa. Tomemos por absurdo que isso fosse verdade: de onde é que eles vão tirar os R$ 6,35 milhões faltantes?
O que se observa é que esta política é equivocada e demagógica porque não resolve o problema em sua origem (a educação básica) sendo ao mesmo tempo segregacionista e não-inclusiva, na medida em que cria castas de estudantes: a que precisa e a que não precisa de cursos remediais. Pior ainda: dados os resultados do vestibular, os estudantes serão identificados como deste ou daquele grupo pela cor da pele. Sinto pelos alunos "afrodescententes" que já se encontram dentro do curso e que entraram pelas vias "normais".
Este mesmo tipo de perspectiva equivocada foi adotada por alguns cursos de exatas ao observar que os alunos não tinham base para os cursos de cálculo, criando a disciplina de “Cálculo Zero” – que antecedia a “Cálculo Um”. Parece vício do Brasileiro, agir sempre sobre as conseqüências (reativamente) ao invés das causas (proativamente). Ao invés de se exigir uma educação básica de qualidade, providencia-se o paliativo. É algo como o médico que receita analgésico para reduzir a dor de cabeça mas não se preocupa em identificar o que causa o sintoma (e o paciente morre de meningite).
Preocupo-me seriamente, tendo encontrado em minha vida profissional diversos "afrodescententes" de grande inteligência e capacidade que completaram seus cursos de Graduação e Pós-graduação com mérito. Pessoas que conseguiram galgar posições, atingiram desempenhos comendados e onde a cor da pele não importava tanto assim. Venceram "apesar" de terem estudado em escolas públicas e ingressaram em uma instituição federal de ensino superior. Ildomar, Valnei, Telmely, Abelardo, entre tantos outros, não podem ser agora considerados como profissionais "favorecidos" por uma política demagógica. Não é justo que, depois de todo este esforço, eles passem agora a ser discriminados também por isso. E mais, se eles conseguiram, outros podem também.
Cabe aqui um parágrafo publicado no editorial do Jornal “A Tarde” de Salvador (12 de fevereiro de 2003). Lembro aos distintos leitores que Salvador é uma cidade de maioria negra. Vejamos pois o que escrevem:
“Pondo de lado a obviedade de que só educação básica e crescimento econômico acabam com a exclusão social, o Brasil assistiu a um gigantesco golpe de suborno eleitoral que, por todos os efeitos nefastos que já produziu e ainda vai produzir, deveria levar seus autores à prisão.”
The Lurker says: No Brasil o racismo não é questão de pele: a segregação é econômica. A cor está presente por conseqüência histórica - poderia não estar.
fevereiro 12, 2003
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